Anda um exército amaricando a cidade, limpando ruas, pintando onde caíram cafelos e tirando as teias de aranha dos cantos; tudo para cair bem ao olho de umas excelências que daqui a dias vêm inaugurar umas merdas que, para funcionar em condições, necessitam de fita cortada a preceito e benzeduras, não vá o diabo tece-las.
Lembro-me de quando tinha sete anos, um fulano que dava pelo nome de Américo veio cá ao Burgo cortar umas fitas e empanturrar-se com lagostas. O ritual foi o mesmo, tudo foi bem ataviado, a relva bem capinada, uma azáfama imensa; o tempo, como é sabido, não deve nada a um e ao outro.
Então, andava eu na primária e a mestre-escola, rapariga visceralmente afectada pelas benignidades da velha senhora e destemida esgrimista de ponteiros, ordenou que as batas tinham de andar bem ataviados pois, caso fossemos sujos, as virtudes do ensino da época, a chamada ponteirada nos cornos, trabalhava; é que nós íamos prestar guarda de honra a um fulano muito essencial.
Eu, para não me deixar enganar, e como o canastro já estava malhadiço, tratei de cagar a farpela pois não queria encarneirar com o resto da trupe e dar boas vindas a alguém que era mal falado lá em casa. A regente não se arreliou, sabia da minha irreverência e do perigo de a fazer passar alguma vergonha. Embora me tivesse sido fornecida uma cifra indeterminada de reguadas, foram as ditas aliviadas pela protecção dum pelo de cão estrategicamente colocado; o desfecho teria sido pior sem esta contra medida. De qualquer modo, fui levado a ver o dito cujo.
As cavalitas do meu pai eram um local estrategicamente confortável, e a manada de moços pequenos, à cota zero, pareceu-me bastante infeliz, pelo que os saudei com uma ilustre língua de fora. Desconhecia que no mundo houvesse tanta gente. O Américo era seguido por um séquito de fulanos e beltranos, que tiveram direito a colcha nas janelas, e uma multidão de papalvos a aclamá-los com bandeirinhas e fogosos vivas a qualquer coisa. Nada do que pronunciou foi entendido pois naquela altura microfones e aparelhagens sonoras eram coisa rara mas, mesmo assim, falou muito bem. E aquele bando de jumentos formava uma maré de empatia fêmea. Coisa sinistra.
Aquele era o fulano que habitava a minha sala de aulas com mais dois companheiros, um de braços abertos, estrategicamente colocado por cima e ao meio do quadro de ardósia, o outro como o primeiro, o da cachimónia árida que cá tinha estado, ocupavam os flancos. Sem ninguém o saber, tudo aquilo prosperava para o declínio e aqueles mariolas, passado algum tempo, foram, todos três, saneados juntamente com aquela detestável criatura temente a deus que nos dava escola; aquela ardósia, agora a solitária, ganhou outra beleza.
Passados alguns anos, no primeiro dia de escola do meu filho, levei o rapaz pela sala de aula adentro. O momento era importante e com alguma nostalgia contemplei tudo aquilo. Também me sentara naquelas cadeiras. E lá estava a ardósia negra da minha infância mas, para meu espanto, o gajo que estava pregado na cruz, o do meio, e que tinha sido saneado com os outros dois fora reabilitado e estava agora solitário e em domínio absoluto; segundo me foi informado pelo “híbrido” do mestre-escola.
É provável que, se algum dia tiver netos, estes irão contemplar os fulanos que habitam os cantos de quadros de ardósia.
Para já, agradeço a visita destes Tartufos. Com o cortar das fitas e o papar de almoços vão-se limpando as ruas do mundo. Caso contrário, continuariam sebentas.
Lembro-me de quando tinha sete anos, um fulano que dava pelo nome de Américo veio cá ao Burgo cortar umas fitas e empanturrar-se com lagostas. O ritual foi o mesmo, tudo foi bem ataviado, a relva bem capinada, uma azáfama imensa; o tempo, como é sabido, não deve nada a um e ao outro.
Então, andava eu na primária e a mestre-escola, rapariga visceralmente afectada pelas benignidades da velha senhora e destemida esgrimista de ponteiros, ordenou que as batas tinham de andar bem ataviados pois, caso fossemos sujos, as virtudes do ensino da época, a chamada ponteirada nos cornos, trabalhava; é que nós íamos prestar guarda de honra a um fulano muito essencial.
Eu, para não me deixar enganar, e como o canastro já estava malhadiço, tratei de cagar a farpela pois não queria encarneirar com o resto da trupe e dar boas vindas a alguém que era mal falado lá em casa. A regente não se arreliou, sabia da minha irreverência e do perigo de a fazer passar alguma vergonha. Embora me tivesse sido fornecida uma cifra indeterminada de reguadas, foram as ditas aliviadas pela protecção dum pelo de cão estrategicamente colocado; o desfecho teria sido pior sem esta contra medida. De qualquer modo, fui levado a ver o dito cujo.
As cavalitas do meu pai eram um local estrategicamente confortável, e a manada de moços pequenos, à cota zero, pareceu-me bastante infeliz, pelo que os saudei com uma ilustre língua de fora. Desconhecia que no mundo houvesse tanta gente. O Américo era seguido por um séquito de fulanos e beltranos, que tiveram direito a colcha nas janelas, e uma multidão de papalvos a aclamá-los com bandeirinhas e fogosos vivas a qualquer coisa. Nada do que pronunciou foi entendido pois naquela altura microfones e aparelhagens sonoras eram coisa rara mas, mesmo assim, falou muito bem. E aquele bando de jumentos formava uma maré de empatia fêmea. Coisa sinistra.
Aquele era o fulano que habitava a minha sala de aulas com mais dois companheiros, um de braços abertos, estrategicamente colocado por cima e ao meio do quadro de ardósia, o outro como o primeiro, o da cachimónia árida que cá tinha estado, ocupavam os flancos. Sem ninguém o saber, tudo aquilo prosperava para o declínio e aqueles mariolas, passado algum tempo, foram, todos três, saneados juntamente com aquela detestável criatura temente a deus que nos dava escola; aquela ardósia, agora a solitária, ganhou outra beleza.
Passados alguns anos, no primeiro dia de escola do meu filho, levei o rapaz pela sala de aula adentro. O momento era importante e com alguma nostalgia contemplei tudo aquilo. Também me sentara naquelas cadeiras. E lá estava a ardósia negra da minha infância mas, para meu espanto, o gajo que estava pregado na cruz, o do meio, e que tinha sido saneado com os outros dois fora reabilitado e estava agora solitário e em domínio absoluto; segundo me foi informado pelo “híbrido” do mestre-escola.
É provável que, se algum dia tiver netos, estes irão contemplar os fulanos que habitam os cantos de quadros de ardósia.
Para já, agradeço a visita destes Tartufos. Com o cortar das fitas e o papar de almoços vão-se limpando as ruas do mundo. Caso contrário, continuariam sebentas.
7 comentários:
Olha, sabes o que te digo? Que gostei mesmo disto! Parabéns!
Baril, pá. um autêntico retrato de memória. escreve mais... cansa-te de escrever (depois logo revês).
[e não tem que ser sempre do passado. podes explorar o agora, nesta ou noutra dimensão. ou o futuro...]
escreve.
pois Francisco, gostei mesmo muito deste retrato com compassos adiante a atrás! de mestre! Bom domingo!
tb eu gostei, Francisco.
voltaste aos ombros do teu pai, numa sinceridade muito bonita e, para mim, tocante,quando afirmas: "desconhecia que no mundo houvesse tanta gente"
Héh léh! Assim é que se enchofra!
malta, obrigado ;)
O que há por aí mais, são Tartufos!...
Enviar um comentário