
Partilho esta exaltação de amanhecer e contemplar um inesperado e gentil encanto.
Se o destino, entidade física ou constatação de memória, puramente humana, é a determinante ou condicionante de alguma essência que rege a cota de alegrias, venturas e desventuras. Não me importa, mas ás vezes prega-nos partidas.
Como fazia todas as alvoradas, saiu de casa, determinado em conhecer tudo e mais alguma coisa. Explorar um cosmos inexplorado. Sete anos é idade para reclamar, como um conquistador de impérios, os seus domínios, que por uma insaciável e sadia curiosidade têm de ser seus.
Foi pelo carreiro que levava á charneca, lugar magico de aromas matinais que a tonalidade cintilante da aurora engalanava. Era guiado por um impulso súbito e impenetrável, que só a inocência pode albergar ou ablegar, em que não há contradição só um desejo, inquieto, vívido, de assimilar a seu belo prazer todos os estímulos. Ai todos os objectos eram seus companheiros.
O som do riacho, lugar proibido, chamou por ele. Não se diz não a tão doce cantiga. E cá vou eu! Aproximou-se, cauteloso sentou-se numa rocha contemplado aquele oceano, atribulado, que vinha de um infinito de inquietações e se dirigia para um universo de desassossego.
De súbito. Do outro lado da margem a vegetação tresmalhou, surgiu no meio do caniçal uma silhueta, uma forma primaveril e feminina. O rapazito ergueu-se, com a furor de uma locomotiva, e ficou ali parado a admirar. A emoção daquela visão esplêndida fez parar o riacho e por simpatia tudo, só seu peito dava rumor. Ficaram os dois ali parados, por uma imensidão de suspiros. Ela lá de longe acenou-lhe, vem cá rapaz. Nesta margem todas a moléculas que construíam o catraio lhe ordenaram para que fosse até lá, mas desobediente a seu instinto permaneceu imóvel, e no futuro não viria a saber a causa desta hesitação, se por estar interdita a travessia, ou se pelo entorpecimento que uma chama provoca a um coração imaturo.
Ela foi-se embora com um adeus, primeiro e ultimo.
Outro dia foi lá, mas ela, não apareceu, nem no outro e ao fim de algum tempo só visitava a ribeira de forma extemporânea, a mossa de não ter tido coragem não apareceu de imediato, quando aprendeu a nadar praguejou aquele momento, afinal não custava nada, e com o passar dos anos a distancia entre margens ficou mais pequena.
Por altura do aparecimento da primeira penugem, já não se lembrado de tal peripécia, foi a novas descobertas, que incluíam aquela margem distante, já se podia aventurar, contudo sem ele saber foi á procura da sua paixão recalcada. Lá já não estava.
As preocupações da mocidade são muitas e temos sempre maneiras de resistir a amarguras, tentamos ser abençoados com prazeres mundanos, ou trocamos umas por outras.
Conheceu uma raparia, fruto de suas incursões por território anteriormente negado e ulteriormente reivindicado. Acabou por casar, foi feliz.
Embora aquela memória compassadamente lhe visita-se, os únicos desvairos, eram platónicos, tentava imaginar seu nome , quando em alturas de alegria e de outras imaginava-a a seu lado, até mesmo quando teve a sua amante era aquela visão longínqua, podia ser ela.
No crepúsculo de sua vida já prostrado e moribundo não foi deus ou demónio e nem mesmo algum santo popular “que o valha”, hipotéticas luzes ao fundo de túneis macabros, estorias de alucinados almejando controlar outros miseráveis.

Foi ela, sua verdadeira companheira, espectro de infortúnio e libertação, foi salvo por esta visão sublime, ao pé de um riacho perdido em ansiedade quântica, que lhe reconfortou. O tempo e o espaço já não o eram, mas o amor ficou, pairando por todo o sempre, em universos alternativos, catedral dos bem-aventurados que ousam padecer, destino inconformado de um simples mortal.
Se houver próxima vez, menos que me afogue vou ter contigo, nem para isso me transforme em cisne...