abril 20, 2007

A Saga de Mary Elizabeth

I - “London mist”

O sol pôs-se por detrás da velha Londres, começou a chover. Para se abrigar daquela chuva maçadora, Mary Elizabeth, refugiou-se num café de Monmouth Street; dali até à estação de Covent Garden é uma milha completa. O aroma a café, num ambiente quase parisiense, é convidativo. Sentou-se junto à janela, olhou para a rua, aquele entardecer assemelhava-se ao seu ânimo e julgou, por um breve instante, ver na janela o reflexo do seu ser. Estivera a libertar objectos de seu cativeiro, em armários e gavetas, num ritual de exumação; eram os pertences de sua mãe, a prova de uma vida que já não o é, e isto deixara-a macambúzia (Patologia de que só alguns herdeiros padecem). Decide demorar-se no café, se recuperar ânimo voltará aquela casa, sede de sua linhagem. Tem forçosamente que empacotar o resto das tralhas, o leilão está próximo e ela espera fazer uma boa maquia; pois decidiu que com aquele dinheiro, mudará o rumo de sua vida.

Mary Elizabeth vive em Surrey, num subúrbio de Londres, local que sempre lhe pareceu desengraçado, ela era afinal uma cockny de gema, mas Jack one-to-many, o seu consorte, um aguarelista de renome, preferia o paladar da cerveja local. Mary é uma típica London girl e a pasmaceira dos arrabaldes, com aqueles verdes monótonos, não lhe corre nas veias. Já pensara no divórcio, mas a fé em Cristo do filo: apostólica Romana, herdada pelo ramo familiar Escocês, não a permitia; embora a verdadeira obstrução fosse aquela disposição paternalista, a sua melhor e pior qualidade.

Em cima da mesa do café estava um livro. Alguém o deixara ali por esquecimento, na capa lia-se: “Essencial “AA” Algarve guide book”. Para se distrair, folheou páginas ao acaso, mas para sua surpresa deparou-se com paisagens vividas e rostos perturbadores, jamais em seus sonhos mais rocambolescos imaginara aqueles olhares masculinos em paisagens magníficas que a paleta de Jack jamais poderia igualar. Inexplicavelmente, pela primeira vez, um descontrolado arrepio lascivo trespasso-a. Meteu o livro no bolso do casaco. Acabou o café, pensou para si “It can’t rain all the time”; saiu com ar de quem diz, quem morre não adoece.
Dissolveu-se em dégradé no “London mist”.


8 comentários:

éf disse...

isto vai very nice

Anónimo disse...

A Mary Elizabeth não me quererá alugar a casa e arranjar um empregozito lá pela velha Albion? :)

Francisco Lumière disse...

efe: e vai só no inicio ;)

arion: por aqueles lados só aconselho o lugar de Albiorix ;)

Anónimo disse...

Eu gosto muito daqueles lados. Mas, não tendo nascido mesmo lá, prefiro continuar por aqui...

Fátima Santos disse...

eu curto mesmo á averve, homem! 8salvo por aí umas coisitas como a chuva engordada de Ó.:)

Francisco Lumière disse...

arion: o sol daqui e cheiro a mar são como raízes, razões para eu também cá ficar. ;)

seilá: a Lipoaspiração da "chova" foi um sucesso. ty

ND disse...

Gosto. Particularmente da subliminar ironia que se quer curta, e pontual.
É muito fixe ler-te neste registo.

Francisco Lumière disse...

n: a matéria-prima é que é boa ;)