novembro 30, 2006

Leda e o cisne

Acordei á pouco, fui á janela, agraciado por um e envergonhado desertor raio de sol, efémero prazer para tão grande vaidade, este era só para mim.
Partilho esta exaltação de amanhecer e contemplar um inesperado e gentil encanto.
Se o destino, entidade física ou constatação de memória, puramente humana, é a determinante ou condicionante de alguma essência que rege a cota de alegrias, venturas e desventuras. Não me importa, mas ás vezes prega-nos partidas.

Como fazia todas as alvoradas, saiu de casa, determinado em conhecer tudo e mais alguma coisa. Explorar um cosmos inexplorado. Sete anos é idade para reclamar, como um conquistador de impérios, os seus domínios, que por uma insaciável e sadia curiosidade têm de ser seus.
Foi pelo carreiro que levava á charneca, lugar magico de aromas matinais que a tonalidade cintilante da aurora engalanava. Era guiado por um impulso súbito e impenetrável, que só a inocência pode albergar ou ablegar, em que não há contradição só um desejo, inquieto, vívido, de assimilar a seu belo prazer todos os estímulos. Ai todos os objectos eram seus companheiros.
O som do riacho, lugar proibido, chamou por ele. Não se diz não a tão doce cantiga. E cá vou eu! Aproximou-se, cauteloso sentou-se numa rocha contemplado aquele oceano, atribulado, que vinha de um infinito de inquietações e se dirigia para um universo de desassossego.
De súbito. Do outro lado da margem a vegetação tresmalhou, surgiu no meio do caniçal uma silhueta, uma forma primaveril e feminina. O rapazito ergueu-se, com a furor de uma locomotiva, e ficou ali parado a admirar. A emoção daquela visão esplêndida fez parar o riacho e por simpatia tudo, só seu peito dava rumor. Ficaram os dois ali parados, por uma imensidão de suspiros. Ela lá de longe acenou-lhe, vem cá rapaz. Nesta margem todas a moléculas que construíam o catraio lhe ordenaram para que fosse até lá, mas desobediente a seu instinto permaneceu imóvel, e no futuro não viria a saber a causa desta hesitação, se por estar interdita a travessia, ou se pelo entorpecimento que uma chama provoca a um coração imaturo.
Ela foi-se embora com um adeus, primeiro e ultimo.
Outro dia foi lá, mas ela, não apareceu, nem no outro e ao fim de algum tempo só visitava a ribeira de forma extemporânea, a mossa de não ter tido coragem não apareceu de imediato, quando aprendeu a nadar praguejou aquele momento, afinal não custava nada, e com o passar dos anos a distancia entre margens ficou mais pequena.
Por altura do aparecimento da primeira penugem, já não se lembrado de tal peripécia, foi a novas descobertas, que incluíam aquela margem distante, já se podia aventurar, contudo sem ele saber foi á procura da sua paixão recalcada. Lá já não estava.
As preocupações da mocidade são muitas e temos sempre maneiras de resistir a amarguras, tentamos ser abençoados com prazeres mundanos, ou trocamos umas por outras.
Conheceu uma raparia, fruto de suas incursões por território anteriormente negado e ulteriormente reivindicado. Acabou por casar, foi feliz.
Embora aquela memória compassadamente lhe visita-se, os únicos desvairos, eram platónicos, tentava imaginar seu nome , quando em alturas de alegria e de outras imaginava-a a seu lado, até mesmo quando teve a sua amante era aquela visão longínqua, podia ser ela.
No crepúsculo de sua vida já prostrado e moribundo não foi deus ou demónio e nem mesmo algum santo popular “que o valha”, hipotéticas luzes ao fundo de túneis macabros, estorias de alucinados almejando controlar outros miseráveis.
Foi ela, sua verdadeira companheira, espectro de infortúnio e libertação, foi salvo por esta visão sublime, ao pé de um riacho perdido em ansiedade quântica, que lhe reconfortou. O tempo e o espaço já não o eram, mas o amor ficou, pairando por todo o sempre, em universos alternativos, catedral dos bem-aventurados que ousam padecer, destino inconformado de um simples mortal.
Se houver próxima vez, menos que me afogue vou ter contigo, nem para isso me transforme em cisne...

1 comentário:

éf disse...

Olaré...
Que agradável surpresa. Mais um com coisas para dizer - não me incluo no rol dos que têm coisas verdadeiramente interessantes para dizer aos outros (já que escrevo mais por vaidade pessoal e alimento do ego mas, justamente por isso, aprecio a entrada em cena de quem tem coisas para contar e o faz com criatividade, independentemente da qualidade de domínio da língua e das letras (nesse aspecto formal reservo as críticas para o Lobo Antunes e o Saramago, entre outros).
Pá... Bienvenue!!!

PS - Os meus blogues não estão "abertos", no sentido de publicitação no próprio blogspot, nem tão pouco em outros locais. Quero dizer com isto que não procuro, nem agradeço, publicidade ou linkagens. Mas também não me importo que os linkem.
É que esta coisa da "minha vaidade" funciona muito em circuito fechado, uma espécie de narcisismo. Basta-me ler eu próprio o que escrevo e mostrar, episodicamente, a uma ou duas pessoas. Não me faz falta público. hehehehe...
(atenção que isto não é modéstia, é outra coisa)
Abraço.